domingo, dezembro 04, 2005

Selma's Songs

- What about China?
Have you seen the Great Wall?

-All walls are great
If the roof doesn't fall



Björk & Yorke- I've Seen It All

sexta-feira, novembro 25, 2005

Leituras

Todo este tempo que fiquei sem escrever, foi o tempo necessário para me aperceber que precisava de voltar a ler.



"Fédon" de Platão (aula de filosofia)

"Os Mais" de Eça de Queiroz (aula de português)

"Onze Minutos" de Paulo Coelho (acabei de o ler hoje)

"Inês de Castro" de María Pilar Queralt Del Hierro (é o livro que se segue)



sábado, novembro 12, 2005

Oxalá

*

Oxalá, me passe a dor de cabeça, oxalá
Oxalá, o passo não me esmoreça

Oxalá, o Carnaval aconteça, oxalá
Oxalá, o povo nunca se esqueça

Oxalá, eu não ande sem cuidado
Oxalá, eu não passe um mau bocado
Oxalá, eu não faça tudo à pressa
Oxalá, meu Futuro aconteça

Oxalá, que a vida me corra bem, oxalá
Oxalá, que a tua vida também

Oxalá, o Carnaval aconteça, oxalá
Oxalá, O povo nunca se esqueça

Oxalá, o tempo passe, hora a hora
Oxalá , que ninguém se vá embora
Oxalá, se aproxime o Carnaval
Oxalá, tudo corra, menos mal


"Oxalá" de Madredeus
*Fotografia de: Daniel Blaufuks (www.madredeus.com - galeria)

quarta-feira, outubro 26, 2005

Pedro e Ana


Não há luz no início da cena. Uma personagem masculina está sentada, numa cama, virada para a parede com as mãos na cabeça e com um ar de tristeza. Começa-se a aproximar em direcção à cama uma personagem feminina. Duas luzes focam-se sobre ambas as personagens.

Ana: Pedro?... (tom de voz baixo que denota receio)

A personagem feminina, Ana, hesita e pára a meio caminho. Silêncio. Ana reaproxima-se e deixa-se pousar ao de leve na cama apoiada nos joelhos. A personagem masculina, Pedro, permanece imóvel.

Ana: Eu sei que não me queres por perto neste momento e muito menos ouvir-me… mas eu não posso partir sem te dizer algumas das coisas que tenho entaladas na garganta. (pausa) Quero que compreendas que é uma oportunidade única e que… e que é praticamente irrecusável! Nunca na vida teria algo tão maravilhoso aparecer assim diante de mim. Tens de compreender que eu também fiquei numa situação demasiado delicada. (pausa) É o sonho da minha vida! Não o posso perder assim sem mais nem menos! (silêncio na vã espera de receber algumas palavras do receptor) Também compreendo que estejas, assim, nesse estado. Mas gostava imenso que me dissesses alguma coisa. (pausa) Pelo menos olha para mim!

Pedro vira-se repentinamente e olha-a intensamente. Ana retribui o olhar e ficam uns longos minutos naquele olhar silencioso.

Ana: Pedro, também não é nada fácil para mim…

Pedro encosta um dedo aos lábios de Ana num gesto silenciador.

Pedro: Não digas mais nada. Era inevitável. (tom de certeza)

Silêncio. Ana tem um impulso de quem vai falar, mas Pedro interrompe-a e continua.

Pedro: A dança é o teu sonho, sim, eu sei. Não podias perder esta oportunidade, sim, eu também sei. Nós… (o discurso que se segue denota grande incerteza) nós fomos um acaso; nunca planeamos nada; foi tudo uma incerteza; não havia nenhum ponto nos “is”. Eu para ti sou exactamente o “sem mais nem menos” e pelo qual não podes desistir desta oportunidade. (pausa) Passámos um longo tempo juntos, mas nunca chegou a ser nada sério, certo? (a expressão de Ana, neste momento, torna-se drasticamente triste) Eu sei que esta não é uma situação fácil, mas não há necessidade de dramatizá-la, não é? Segue o teu coração, segue o teu sonho. Tu foste feita para a dança. E eu… eu hei-de continuar com o curso de arquitectura.

Silêncio prolongado. O ambiente torna-se, extremamente denso.

Ana: Se tu realmente pensas assim, fico aliviada por saber que compreendeste. E sim, nasci para a dança. (pausa) Faz-me um favor…

Pedro assente.

Ana: Fica com as sabrinas que deixei cá.

Dão um beijo apaixonadamente triste. Ana levanta-se, sem olhar Pedro, pega na mochila que anteriormente pousara no chão e dirige-se à porta. Pedro tem o olhar fixo no chão. Silêncio pesado. Ainda antes de sair, Ana vira-se para Pedro.

Ana: Nunca foste o “sem mais nem menos”.

Ana sai e Pedro fica a olhar a porta, triste.



23 de Outubro de 2005






Esta foi uma tentativa de um texto dramático que fiz para a aula de teatro, mas como se vê, "saiu" assim, muito fraquinho. Já não escrevo (mesmo) há bastante tempo e o pouco que tenho escrito tem sido assim, fraco. Os pseudo-dotes talvez se estejam a evaporar... Nada dura para sempre, enfim. De qualquer das maneiras quero e gosto muito de ler os vossos comentários aos teus textos que cá ponho :)

P.S. Não sei o autor desta imagem :/

terça-feira, outubro 18, 2005

Poema

Já lhe falei
Mas não compreendeu
Repeti, expliquei
Mas não percebeu

Não sei o que fazer
Não sei o que dizer

Mas insistiu em saber
E eu mais palavras não sabia
Para lhe poder dizer
O que não percebia

A pequena era persistente
Mas o que podia eu fazer
O amor é algo que se sente
E não há palavras que o possam descrever




Porque gosto de recordar e acho engraçado o que se deixa escrito com 12 anos.

domingo, outubro 02, 2005

Recordações de invenção

Como em todas as minhas histórias de adolescente, estava um fim de tarde ameno. O sol mergulhava, na sua calma, nas águas do oceano atlântico e pintava o céu num tom de laranja que me preenchia a alma. Alma que se encontrava, ainda, presa a este corpo de pele branca e seca, escondida, apenas, pelo biquini laranja e o saiote azul marinho, com cujas tirinhas me entretinha. A maresia fresca que pairava no ar enchia-me os pulmões e fez-me divagar... O corpo estava naquela praia, mas a mente viajava já entre mil e um pensamentos das mais variadas sensações. A primeira a sobressair do baú das memórias foi o cheiro ao cozido de bacalhau que a minha mãe costumava fazer no tempo inverniço. Sempre cozinhou com tanto carinho!... Tudo era cuidado ao mais ínfimo pormenor, nada podia faltar e tudo o que havia era maravilhoso. "Um verdadeiro jantar dos deuses!", dizia o meu pai limpando a boca ao guardanapo, encostado à cadeira de papo para o ar. E realmente, os jantares da minha mãe sempre foram deliciosos e eram sempre propícios a longas conversas que se estendiam até altas horas da noite. Eram bons os tempos passados com os meus pais. A nossa relação era, sem dúvida nenhuma, uma amizade extremamente forte e rica. Tantas experiências em comum, tantos conhecimentos e relatos partilhados, tanta vida entre nós. E as nossas viagens? Oh, as nossas viagens!... De um canto ao outro do país, dormitanto em hóteis, cantando no carro ao som dos velhos cd's do meu pai, comentando, criticando, rindo... Ainda me lembro quando fomos todos juntos ao Jardim Zoológico de Lisboa. Saí de lá com os pés em bolhas, mas valeu tanto a experiência! Era (e ainda deve ser) enorme! e são tantos os animais lá hospedados! Desde os ferozes leões tão esperados naqueles sítios, os chimpanzés tão fofinhos e brincalhões, aquelas aves pequenas todas coloridas, as girafas com o seu pescoço grandemente engraçado, os hipopótamos, até os répteis e lembro-me de ver avestruzes! Houve até uma avestruz deveras patusca que decidiu engraçar com a minha mãe, talvez pela camisola colorida que ela levava nesse dia, ainda não sabemos. As lembranças de bons momentos passados saltitavam em mim e eu deixava-me ir... até sentir na cara uma pequena gota de água que, insistentemente, se multiplicou. Começou a chover fortemente e de rajada e fui obrigada a levantar-me e atravessar a praia até ao café. Agora, era o ar fresco que avizinhava a noite que me despertava de regresso ao corpo e ao presente.

11 de Agosto de 2005


Em resposta ao desafio do mês "Palavra de ordem!" do Escreva!

sábado, setembro 17, 2005

Tragic Kingdom

"You and me
We used to be together
Every day together always

I really feel
I'm losing my best friend
I can't believe
This could be the end"


No Doubt - Don't Speak

segunda-feira, setembro 05, 2005

Cartas a um Jovem Poeta

"Rainer Maria Rilke nasceu em Praga em 1875, filho de um oficial do exército e de uma mãe fanaticamente religiosa.
Estudou filosofia, história, literatura e arte em Praga, Berlim e Munique. Começou a escrever poesia desde muito cedo.
Em 1901 casou com Clara Westhoff e viveram em Worpswede até ao nascimento do único filho, tendo-se depois mudado para Paris, em 1902. Morreu em Valmont, a 29 de Dezembro de 1926."*




"Atraídos pela sua poesia, era frequente alguns jovens escreverem a Rilke, falando-lhe dos seus problemas e aspirações. De 1903 a 1908 Rilke enviou um notável conjunto de cartas a um jovem cadidato a poeta, sobre a poesia, o amor e a sensibilidade, revelando também, desta forma, a sua relação com a vida e a dificuldade que um espírito sensível tem em sobreviver num mundo duro e implacável."*




Adorei ler este livro e agradeço imenso ao AF do Segundo Impacto que me sugeriu a sua leitura num comentário a um texto que eu cá tinha posto. Tal como ele disse, é um livro "recheado de conselhos e ideias muito interessantes" e eu aconselho, vivamente, a todos aqueles que se interessam pela escrita e a tantos outros também, porque são conselhos acerca da vida.


*Direitos reservados por Coisas de Ler Edições, Lda.

segunda-feira, agosto 08, 2005

10 Coisas

Esta foi uma resposta a um post do Blog Luz e Sombra que pedia 10 coisas sobre nós próprios e, como tenho andado "seca" de ideias, achei que isto vos pudesse interessar; sempre é um bocadinho mais de mim.

1.Fisicamente. Há duas coisas que gosto especialmente em mim: os meus olhos e os meus sinais. Os olhos, apesar de serem comummente castanhos, são grandes e fascinam-me pela sua vivacidade de expressão, pelo brilho das emoções e pela sua mobilidade observadora. Os sinais são, para mim, marcas de identificação pessoais e adoro cada um deles em mim (não são poucos).
Nos outros, perco-me apaixonadamente nas mãos e nos sorrisos. Adoro mãos finas de dedos compridos, as mãos ágeis e delicadas. Os sorrisos se forem alegres e sobretudo sinceros, enfeitiçam-me por completo, indescritível. Adoro também cabelos compridos e lisos (não fosse o meu assim); a minha mãe bem insistiu, quando eu era pequena, em cortá-lo pequenino (à tigela), mas não adiantou, a minha fixação “falou” mais alto.

2. Desorganizada. Sou muito desorganizada mentalmente e isso verifica-se depois nas pequenas coisas diárias. É aborrecido porque me esqueço, muito facilmente, de várias coisas, como compromissos, aniversários, tarefas, planos e afins… e também na própria escrita, em que o pensamento é muito mais rápido que a mão, as ideias perdem-se na confusão e os parágrafos, muitas vezes, ficam incompletos. Isso faz-me sentir sempre um pouco perdida e, consequentemente, frustrada por nunca encontrar algo que se assemelhe a um Norte.

3. Monotonia. Posso muito bem usar o verbo “detestar” sem hesitação porque detesto, mesmo (!), a monotonia. Deixa-me doente psicologicamente. Repetições, rotina são me embaraços. Preciso de ver, ouvir, fazer coisas diferentes quase constantemente. Para mim a vida tem que ser aproveitada e a monotonia anula esse possível proveito.

4. Sem pontualidade. Vergonhosamente, chego atrasada a todo lado. Não tenho a mínima noção do tempo, por isso não consigo controlar o tempo e as minhas tarefas, chegando atrasada a qualquer lado. Acho que se chega a tornar uma deficiência porque eu não consigo mesmo ter noção, quando penso que 10 minutos chegam, afinal eram preciso 15 ou 20 e nunca aprendo.

5. Preguiçosa. Demasiado preguiçosa! Qualquer espécie de iniciativa ou vontade própria são aniquiladas sem piedade nenhuma. Tão preguiçosa que chego a ser apática. A minha posição favorita é deitada e qualquer oportunidade que tenha para deitar a cabeça é, imediatamente aproveitada, como por exemplo, nas cadeiras ou mesas do café, ou até na mesa de jantar cá de casa ao fim da refeição. Por isso, uma das coisas que muito prezo, é dormir. É uma característica que choca bastante com a vontade asfixiante de querer fazer coisas novas e diferentes. Enfim… contradições.

6. Letras coloridas. Associo cores às letras e simpatizo com algumas e outras não. Alguns exemplos: para mim o “e” é amarelo e o “i” é vermelho; não gosto da letra “F” porque a acho antipática e feia, adoro as letras redondinhas, como o “B” e o “G” porque são amigáveis e fofinhas.

7. Música. Apercebi-me, recentemente, que é um vício ouvir música. Não ouvir música um dia inteiro é uma tortura, mas, felizmente, isso quase ou nunca acontece. Se não ouço música, tenho com certeza alguma na cabeça e chego a cantarolar inúmeras vezes, apesar da minha voz soar um pouco a “cana rachada”. A música para mim é o “background” da minha vida. Tal como os filmes têm sempre uma qualquer música a acompanhar cada cena, eu associo músicas a alturas da minha vida. A música é o embalo das minhas emoções; emociono-me conforme a música que estiver a ouvir ou escolho, delicadamente, as músicas de acordo com a minha disposição.

8. Escrita. Sufoco se não escrever. Chego a desesperar se estiver numa daquelas alturas em que preciso mesmo (!) de escrever e não consigo. A mão fica parada, a caneta escorrega pelos dedos, o papel continua em branco, os olhos vagueiam… não me há cenário interior mais agoniante. Como nunca converso com ninguém (excepto comigo própria) acerca dos meus sentimentos, tenho uma necessidade enorme de os despejar através das palavras escritas. Caso contrário, fica tudo entalado, sufocando a garganta e, às vezes, acabando em lágrimas.

9. Racional. Não sou uma pessoa muito emocional, a minha tendência é mesmo para o racional e como tal sufoco tudo que seja emoção ou sentimento, racionalizando a maior parte das coisas da melhor maneira possível. Fico deveras embaraçada quando vejo alguém chorar ou a falar de sentimentos abertamente. Por isso, evito situações demasiado delicadas nesse aspecto porque nunca sei o que fazer ou dizer. Penso que todas as pessoas que convivem comigo têm noção disso e por isso, sabem que não me conhecem muito bem, pois nunca conto nada de mim, a não ser coisas banais do quotidiano.

10. Teatro. Em pequena, quando exploramos desejos de ter diversas profissões, decidi, por último, que queria ser actriz. Entretanto, o tempo passa, uma pessoa aprende que há coisas que não podem passar de sonhos e que até são absurdas, esquece-se, até que escolhi Humanidades para o 10º ano e no 11º tive O.E.D. (Oficina da Expressão Dramática), o que fez com que o desejo voltasse. Adorei a experiência. Passaria tempos infinitos naquelas aulas e até me cheguei a inscrever num workshop de teatro leccionado pela companhia de teatro de Barcelos – Capoeira – que, por sua vez, também foi uma experiência muito proveitosa. Com este desejo crescente e fortificado, espero entrar na esmae, no Porto, daqui a um ano e licenciar-me em Teatro.

quarta-feira, julho 27, 2005

...

O silêncio pairava no quarto.Duas da manhã e sem saber o que escrever.
Estava tudo calmo, nada se mexia e apenas se ouvia o respirar leve da cidade.
Duas e meia da manhã e ainda sem saber o que escrever. A caneta andava de um lado para o outro na sua mão, o caderno estava pousado na cama com as folhas em branco e uma tela preta havia atravessado a sua mente. As suas pernas moviam-se debaixo do lençol ansiosas, as mãos começavam a transpirar e a caneta escorregava. Um calor intenso percorria-lhe o pescoço e descia até às pernas. A impaciência era grande e a necessidade de o fazer ainda maior. O calor abafado não ajudava e os olhos também começavam a pesar.
Tinha que escrever! Ela sentia-o e por isso não conseguia largar a caneta nem deixar de fixar o caderno. A caneta estava pousada na folha, mas esta continuava em branco. A mão não se mexia e ela esperava ansiosamente que as letras se começassem a desenhar e o texto a formar-se, mas o que existia era apenas um cadeeiro de luz fraca, ela e um silêncio que escorria nas paredes, que preenchia o quarto e a sua mente.
Adormeceu sobre o caderno. Esta noite não o conseguiu, tinha que tentar outra vez. Não podia desistir. Ela sabia que existia, ela sentia... Era forte, tão forte que a deixava de rastos. Não conseguia e sentia-se mal. A força estava dentro dela, mas como conseguir transpô-la no papel?
Iria esperar que o dia de amanhã corresse para que a noite se exibisse.
Iria passar todo o dia à espera. Esperaria ansiosamente pela noite, para tentar mais uma vez. Apenas na noite.





[Não tenho andado em bons dias de escrita e como outro dia descobri mais uma pastinha com os meus escritos, resolvi mostar-vos este porque se adequa ao que ando a sentir. (Se bem que a noite já perdeu um pouco dessa magia.) O texto não tinha título e não sei qual lhe pôr e, infelizmente, também não tinha data marcada na folha, todavia presumo que seja perto de 2003.]

quarta-feira, junho 22, 2005

Uma noite

Os seus pés hesitavam em subir os degraus da escada de caracol. Ele estava lá em cima, sentado na cama, virado para a parede à espera dela. Ela sentia-o entristecer ainda antes de o avistar. Demorou-se em passos pequenos a subir as escadas, no último degrau parou. Parou a olhá-lo. Estava encurvado e as suas mãos continuavam a segurar a cabeça como há minutos quando a havia sentido sair. Pousou levemente a mochila no chão, descalçou as sabrinas e começou a caminhar… pé ante pé, sem pressa, num cuidado intenso preocupado com o ruído. Queria conservar o silêncio, não para surpreendê-lo porque sabia que a sua presença lhe chegava aos sentidos, mas para eternizar o momento nos sons mudos que cresciam no silêncio. Aproximou-se da cama, deixou-se apoiar suavemente nos joelhos e chegou-se a ele. Com receio estendeu a mão e acariciou-lhe a cabeça rapada. Ele virou-se num movimento demorado e fitou com profundidade os seus grandes olhos brilhantemente castanhos. Olharam-se durante uns longos minutos e conversaram, assim, em silêncio. Partilharam emoções de boca fechada e entenderam-se sem linguagem palavrada. Um beijo profundamente sentido quebrou a linha do olhar e lançou-os delicadamente nos lençóis da cama. Os lábios dele percorriam-lhe o pescoço e o peito numa suavidade que saboreava. Em movimentos sensuais as mãos dela acariciavam-lhe a careca tão apreciada e descendo pelo corpo apertavam os dedos contra as costas dele. As roupas iam deslizando pela cama e as pernas moviam-se, entrelaçavam-se, as dele nas dela. A pele pálida dos dois confundia-se, o suor misturava-se e os corpos uniam-se. Os movimentos da paixão cresciam, iluminados pela vela repetidamente acesa a cada noite como uma espécie de lembrança, e cuja chama crescia como que alimentada da energia que unia os dois amantes. Amaram-se apaixonadamente toda a noite e, ainda antes dos raios do sol poderem intensificar-se, ela vestiu-se, pegou nas suas coisas e partiu definitivamente, deixando apenas a vela e a memória de uma noite em que ele a sentiu apaixonar-se.

20 de Junho de 2005

sábado, junho 18, 2005

Hoje, matei-me

É hoje que me mato. Falta-me pensar numa forma de o fazer. A ideia dos compridos associo-a a uma morte indesejada com o objectivo de chamar a atenção. A ideia de me atirar para debaixo de um comboio não me satisfaz; é demasiado rápida, não se sente a dor como se deveria. Quero sentir a vida esvair-se do meu corpo. Quero sentir as picadas da morte roçarem a minha carne até aprofundarem a ferida da dor. Quero morrer de dor! Há quem diga que ninguém assim morre, mas eu quero. E como é hoje que o quero, vou contrariar os instintos que se apoderaram de mim por todos estes anos fétidos e vou ter iniciativa. Sim. Vou começar algo e vou acabá-lo. Vou ter a força de vontade para elevar o meu espírito e materializar uma ideia, escapando assim do mundo ilusório em que sempre vivi; um mundo de pensamentos, teorias, intenções, suposições…! Vou construir algo. E vai ser algo que vos vou poder mostrar. A seu tempo tudo se irá compor. Hão-de ver a minha energia numa criação minha. Numa criação minha, minha! Eu vou fazer algo… nem acredito nisto. Não posso perder tempo novamente com divagações. Vamos ao que interessa: a forma de me matar. Será uma criação vermelha, pintada com o meu sangue. A ideia de cortar os pulsos não me sai de mente, mas não é original, vão desprezar a minha criação por ser repetida. Como me mato então? Algo que doía muito. Tem que ser com dor! Não pode ser de outra forma porque é de dor que quero morrer. Já o disse e repito.
Posso escrever Dor bem fundo na barriga e deixar o sangue escorrer até o corpo secar. Assim alio o desejo de morrer de dor à vontade fatal de escrever. A escrita da morte em mim. Eis uma ideia bonita. A navalha está já ao meu lado, juntamente com os meus outros instrumentos: a caneta e o papel. Tenho o cenário perfeito! Um chão frio de cimento carregadamente cinzento e nada e ninguém ao meu lado exceptuando o meu consolo: os meus instrumentos. Mato-me com o que mais gosto. Mato-me da maneira que quero e realizando um desejo velho que havia guardado há já um tempo na gaveta dos pendentes.
Deixei as roupas à porta de entrada. Sempre gostei da arte do nu e é assim que me vão fotografar quando me encontrarem. Vai ser tão belo... Espero poder apreciar esse momento do outro lado, como lhe chamam. Vão me encontrar na posição em que nasci, escondendo a Dor em mim, assim abraçada pelos meus braços, guardando-a bem junto ao peito que deixará de respirar em breve. Sim, vai ser a minha criação final, mas vai ser a melhor que alguma vez terei feito. Duvido que conseguisse, algum dia, fazer alguma que superasse esta que estou prestes a começar. Assim, despeço-me deste esterco numa beleza jamais vista por mim e pelos que me conhecem. Estou ansiosa por ver as expressões nas caras deles. Não que isso seja muito importante, mas quero ver reacções; é sempre bonito.
Inspiro fundo… não por receio, mas por ansiedade. Não paro de repetir mentalmente que vou, finalmente, iniciar e finalizar algo com as minhas próprias mãos. Pego na caneta para desenhar as letras da Dor na minha barriga. Uma letra seguida da outra com espaço suficiente para não se atropelarem, para se distinguirem maravilhosamente umas das outras. A tinta sinto-a fria e é um primeiro sinal de que a minha criação começou. O papel ao meu lado está preenchido como há muito já não estava. Este dia é meu! A caneta já não treme nos meus dedos, está firme e desenha. A minha caneta desenha! Já não me lembrava de tal coisa. Estou prestes a emocionar-me, mas tenho que continuar, tenho que combater os meus instintos por mais fortes que eles aparentem ser. Pego na navalha com cuidado para ter a certeza que não me engano em nenhum passo. Levanto-a, agarro-a com firmeza e começo a desenhar com determinação. Já dói… Dói e os meus lábios erguem-se num ligeiro sorriso. O D está desenhado e sangra. O o ganha vida e seguidamente o r. O sangue escorre lentamente da barriga para as virilhas e daí para o centro de fertilidade. É tempo de me deitar… A caneta ensanguentada está sobre o papel que agora vive. Deito-me, abraço-me e fecho os olhos a metade. A dor torna-se aguda e invade-me o corpo como nunca. Sinto as feridas abrirem-se como quem se encontra no processo de nascimento. Gostava de poder descrever esta dor por que tanto ansiei, mas é demasiado real para a retratar só com palavras. A dor é tanta que de mim e dela já não há linha separadora. Somos uma. Unidas para a morte que se avizinha. Aos meus olhos o cinzento carregado, nos meus ouvidos o zumbido do silêncio e do escorrer do sangue. Sorrio… eu sorrio! Olho-me o melhor possível para que possa fechar os olhos e ficar com a imagem da minha criação gravada nas pálpebras. Sei que a minha expressão facial é a de alguém que dorme tranquilamente um sono de satisfação. Consegui finalmente… Quem me achou incapaz de fazer algo por mim? Mais cedo ou mais tarde todos acabam por encontrar o seu momento de felicidade. Eu encontrei-o hoje.

quarta-feira, junho 15, 2005

A espera

Uma camisola colorida
Umas calças confortáveis
Dois pés de meias frios
Uma mão quente outra fria
Olhos cansados expectantes

Os óculos repousam no nariz
A boca fina mais pequena ainda
Bochechas trincadas por dentro
Movimentos parados

Uma música vibrante
No coração a bater
Um peito que sobe e desce
Acompanhado da barriga
As pernas cruzadas
E os ombros caídos

Olhos abertos caminhantes
Dedos separados impacientando
Movimentos de silêncio
Parados na espera de escrever

quarta-feira, maio 25, 2005

Cansaço


(olhares.com)

"O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço. (...)"

Álvaro de Campos

segunda-feira, maio 16, 2005

Carta de um suicídio

Não quero começar com porques como toda a gente faz. Queria começar com outras palavras para ser diferente. E é disso que eu tanto necessito. Diferença. Diferença sem escândalo e sem me sentir mal com isso. Diferença disfarçada, só dentro de mim. Os olhos que passem por mim, as bocas que falem de mim, mas que eu não os veja nem os ouça. Não vos quero sentir em mim, por isso afastem-se quando me falarem. Os pensamentos são fontes de energia, sabiam? Quanto mais longe estiverem, melhor. Não vos sinto. Não quero. Há quem fale em fossos; entre o “eu” e o “vós”. Prefiro a palavra abismo. Dá-me uma ideia de maior distância. De distância mortal. Eu tenho o meu. E pretendo que ele cresça bem fundo... Até um grito se perder nas paredes. Não quero aproximação. Por isso não se atrevam a construir pontes. Não que se importem em fazê-lo, mas quando se lembrarem já estão avisados. Afastem-se que é o melhor a fazer. Não sou coitada. Sou suicída. Deixem-mo ser. Só peço que se afastem e me deixem matar. Não quero pena nem compaixão. Não faço isto com essa intenção. É tão difícil de perceber? Nunca tive amor em mim e, sem vos querer chocar propositadamente, vocês também não. Amor... Uma palavra viva para um sentimento morto. Aqui! Noutros mundos talvez seja vivo. Aqui nunca nasceu; por isso, nem morto está. É inexistente. Não amem porque não são capazes. Nem pensem que são amados. Ilusão é uma perda de tempo. Mas sou eu quem fala: a suicída. Por isso não me escutem. Não pretendo pregar. É uma espécie de aviso. Só para não dizerem que não me despedi. Não é que sinta necessidade de vos responder aos caprichos. É apenas ao meu que respondo. O capricho rebuscado de escrever. Ai... a escrita é a minha pá. Sem ela o meu suicído seria tão mais difícil. Obrigada. Ajudas-me a cavar o abismo e eu acaricio-te. Troca justa diria eu. Só quero o afastamento. Mas de ti isso é impossível. Sem ti morreria para a existência própria. Não imagino sequer um algo em mim sem ti. És a minha vida. Mas tendo em conta que vida é o encarne da alma e que só assim vivo, és mais que minha vida, és a minha alma. Talvez seja isto que eu queria verdadeiramente dizer. O entorpecimento da mente dificulta-me a expressão. Desculpa-me. Eu tento, mas as névoas adensam-se tanto...! Inspiro, expiro, suspiro... mas o peso continua. Perdoa-me a minha fragilidade. Perdoa-me o ser fraco. Ajuda-me a alimentar a alma. No fundo és tu própria que cresces se assim for. Sim... eu sei que sou suicída, mas só para os outros. Para ti quero viver. Abraça-me, bafeja-me que sem ti sou inconcebível.

domingo, maio 15, 2005

Plof!


Sensação de silêncio, isolamento, conforto...
Suave, macio...
Adormeço...



[Ofereceram-me a imagem, por isso, não sei qual é o autor.]

segunda-feira, maio 09, 2005

O que eles escreveram sobre Fernando Pessoa

"Pessoa, seu primeiro leitor, não duvidou de sua realidade. Reis e Campos disseram o que talvez ele nunca diria. Ao contradizê-lo, expressaram-no; ao expressá-lo, obrigaram-no a inventar-se. Escrevemos para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Em um ou em outro caso, nos buscamos a nós mesmos. E se temos a sorte de encontrar-nos - sinal de criação - descobriremos que somos um desconhecido. Sempre o outro, sempre ele, inseparável, alheio, com teu rosto e o meu, tu sempre comigo e só".

(Otávio Paz, O Desconhecido de Si Mesmo: Fernando Pessoa in Signos Em Rotação, col. Debates, nº 48)

quarta-feira, maio 04, 2005

quinta-feira, abril 28, 2005

Dimensões

Um ímpeto move-me à escrita
E dele alimento a caneta
Até que os olhos se perdem
No imenso branco do papel

Vagueiam perdidos no pensamento
Alheados do brusco sentir exterior
Que anestesia fortemente a alma
Tal é o choque do subtil com o real

Um real indefinido a todos
Porque vive de si para si
Reflecte-se em si mesmo
E a dimensão torna-se outra

O choque é então ilusão
Não chega a existir
Porque os diferentes reais
Jamais se encontrarão

Vivo assim num despertar
E adormecer ilusório
O exterior não existe em mim
Só o interior me engole

É o exterior ilusão?
Como é ilusão o choque de reais?
Do meu real com o real em si
Que é real e ninguém conhece

27-04-05

sexta-feira, abril 22, 2005

Re-definições

"Nunca vamos ter o amor a rir para nós
Quando queremos nós ter o sorriso maior."

Da Weasel [com Manel Cruz, vocalista dos Pluto] - Casa (Vem fazer de conta)

quarta-feira, abril 20, 2005

Sobre livros

1- Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Um de páginas em branco que pudesse ser rabiscado à vontade porque a ideia de algo permanente não me agrada.

2 -Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por uma personagem de ficção?
Penso que em relação a isso costumo afinizar-me muito com as personagens que gosto. Por vezes, adopto expressões semelhantes sem me aperceber; sou influenciada sem querer, mas por poucos momentos. No entanto, não tenho nenhum em especial que me "apanhe".

3 -Qual foi o último livro que compraste?
"Viagens na minha Terra" - Almeida Garrett

4 -Qual o último livro que leste?
Por inteiro, penso que foi "Harry Potter e a Ordem da Fénix" - J.K. Rowling

5 - Que livros, estás a ler?
"Viagens na minha Terra" - Almeida Garrett
"Choque do Futuro" - Alvin Toffler


6 -Cinco livros que levarias para uma ilha deserta.
"O Rosto e as Máscaras" - Fernando Pessoa (antologia cronológica, organizada e prefaciada por David Mourão-Ferreira)
"Os Filhos da Droga" - Christiane F.
"A minha Melhor Amiga" - Anne-Sophie Brasme
Um caderno em branco (e respectiva caneta ou lápis)
Um desconhecido, obrigatoriamente, de poesia


7 -Três pessoas a quem vais passar este testemunho e porquê?
Talvez as três primeiras que lerem isto serão essas três pessoas :) Mas vou passa-lo a quem quiser lê-lo; está à vista de todos que por aqui passeiam.


[Achei engraçado este questionário que vi nos blogs Tá de noite e My Soul Pieces e copiei-o para aqui. Pode ser que vos interesse lê-lo e copiar para os vossos Blogs. Sempre se fica a conhecer um bocadinho mais de quem o responde.]

terça-feira, abril 19, 2005

Nota

Este é só um pequeno post para agradecer aqueles que deram uma opinião no post anterior e para anunciar que o título da peça foi votado e escolhido segunda-feira; a peça intitula-se, agora, por "Realidade fictícia". A meu ver, é um título interessante, embora não fosse o meu preferido. De qualquer das maneiras, entre este e um outro que estava com grande destaque "Eles andam aí!", fico satisfeita por ter sido o actual o mais votado.

domingo, abril 17, 2005

Preciso duma opinião

Eu tenho aulas de teatro na escola e andamos a ensaiar uma peça para apresentar no fim do ano, só que não sabemos que título lhe havemos de dar, por isso, vou tentar resumir o melhor que posso (apesar de ainda não ter a peça toda) e dar-vos a escolher alguns títulos que uns colegas meus proporam de forma a ajudarem-nos :)
Muito bem... A peça é basicamente sobre os diferentes grupos que existem entre os adolescentes e os respectivos problemas. Existem as betas, os noctívagos, os dreads, os cromos da Net, os góticos, um gay, um traficante de exames, uma intelectual e os freaks. Os grupos vivem uma vida que os pode levar a enfrentar sérios problemas no futuro. Eu interpreto duas personagens: a Luana e a Lipa. A primeira está inserida no grupo dos góticos, constituido pelo namorado Roger, a amiga da banda Verónica, a extrema Erika e a Paloma e caracteriza-se pelo facto de serem anti-sociais e nem sequer conseguirem criar laços fortes de amizade dentro do próprio grupo. A Lipa faz parte do grupo dos noctívagos, constituido pela melhor amiga Kak's e pelo irmão Pikas que, por sua vez, vai aliciar a irmã para o mundo da noite repleto de drogas, álcool e rapazes. No meio de toda esta "anarquia juvenil" andam uns ET's que aterram no campo de basquetebol da escola no início da peça e que são invisíveis devido a um dispositivo. Estes decidem estudar as crias da espécie porque lhes resta pouco tempo naquele planeta. Porém, à medida que o estudo avança, levados pelo espanto das barbaridades com que se deparam, estes vêem-se obrigados a desligar o dispositivo de invisiblidade e a intervir na vida de cada adolescente, de forma a, mostrar-lhes o futuro. Uma vez visto o futuro pelo adolescente este, de regresso ao presente e sem se aperceber do que acabara de acontecer, conscencializa-se e tenta deixar algumas coisas que prejudicavam a sua vida, como a droga, a vergonha (ex. dos cromos e do gay) e outras coisas mais que iriam destruir o seu futuro. Assim sendo (espero ter-me feito entender no resumo) os títulos propostos foram estes:

Eles andam aí!
/ Eles andem aí! (ou um ou outro)
Efeito boomerang
Efeito extraterrestre
Só não vê quem não quer
O código da adolescência
/ O Código Adolescente (ou um ou outro)
Afinal são nossos amigos
O nosso reflexo
Nós somos piores
A nossa sombra
Ligação extraterrestre
Uma espécie aparte
Acreditas em ET's?
Afinal eles existem
Tudo louco
Atinem, pá!
O abc da adolescência
Uma peça do outro mundo
O Senhor dos ET's
Os ET's e os prisioneiros da adolescência
(à estilo Harry Potter)
O futuro é agora
Realidade fictícia
Saber quem somos
(ideia do meu irmão)

terça-feira, abril 12, 2005

Devaneio

A verdade é que a provável bipolaridade do meu ser pode ser explicada pela indefinição do mesmo.

segunda-feira, abril 11, 2005

Ecoponto doméstico


"Os ecopontos podem ser adquiridos nos super e hipermercados, nomeadamente, Jumbo, Continente, Feira Nova, Modelo, etc. a um preço que deverá rondar cerca de 10/12 euros.
(...)
Os ecopontos domésticos são disponibilizados incluindo um guia de reciclagem de edição e responsabilidade da Sociedade Ponto Verde, que contém as regras de separação de embalagens, para facilitar ainda mais a tarefa.
(...)
Estes ecopontos, (...) dispõem de três divisões e permitem separar num só contentor os diferentes materiais, à semelhança do que acontece com os ecopontos de rua. Ou seja, possuem uma divisão para o plástico e o metal, outra para o papel/cartão (especialmente concebida para o formato dos jornais e revistas) e finalmente uma para o vidro."

Para mais informações visitem o link: http://www.pontoverde.pt/sala_imprensa/sala_imprensa_press63.html
Porque nunca é demais lembrar...

E para que conste, também ainda tenho que comprar um :$ (só porque acho mais eficiente em comparação com as sacas penduradas na cozinha)

Sempre pensei que me preocupava com os males feitos ao meio ambiente, até me aperceber que nem a separação de lixo em casa fazia. Ora bem, quem se preocupa de corpo e alma, faz algo pela sua causa, não é verdade? E muitos podem associar, apenas, as fábricas à poluição, mas penso que todos tomamos consciência que não parte exclusivamente dos outros prejudicar ou ajudar o meio ambiente, não é? Afinal de contas, nós também não poluímos? Se de cada vez que fossemos ao supermercado, olhassemos antes para o rótulo e verificassemos se o produto é um forte contaminador para o ambiente, em vez de olharmos exclusivamente para a marca e os "afins" que esta promete, estariamos a contribuir para vivermos num mundo mais fresco. E quem diz ir ao supermercado, diz outras coisas. A separação de lixo em casa é uma delas. Não custa nada, pois não? Quero dizer... é preciso ter cuidado com o que se separa porque nem tudo pode ser reciclado, mas há guias que nos informam e sites como o ponto verde. Penso que não custa nada tentar reanimar o nosso planeta. Afinal, é o único que nós temos.

Quando penso no mundo actual, a ideia imediata (talvez por ser citadina) que me vem à cabeça é o fumo, o barulho, o stress e, consequência disso, pessoas rezingonas, o trânsito, edifícos, cruzamentos, buzinas, passadeiras, alcatrão, preto... Por vezes dá vontade de dar um berro seco e esperar que tudo pare, tal como nos filmes. Vê-se apenas o vácuo da vida das pessoas. Serão felizes? Alguns podem julgar que sim. Talvez o sejam, talvez não. Será que se lembram de pensar nisso sequer? Para a frente, para trás... para ali, para acolá... Agora, neste instante, atrasos... esgotamento... a sucção da vida. Cansaço... "Um supremíssimo cansaço, íssimo, íssimo, íssimo, cansaço...".
Talvez não sejam todos assim. Mas é essa a imagem e a sensação que tenho quando penso neste mundo. Sim há o verde, os montes, o azul, os rios... há o riso, o sorriso... Há quem os procure? Agora, talvez mais. Porque eu acredito que cada vez mais pessoas se apercebem o que está a acontecer ao planeta. Mais e mais pessoas se apercebem e sentem que a cidade satura tudo em si e ao seu redor mais próximo. Tentam, agora, uma forma de evasão da agitação diária. Eu que ainda sou jovem e não sofro dum mal desses ainda muito grande (penso eu), sinto necessidade de respirar. Assim, o ar puro, que por vezes, posso sentir em Esposende. Perto da praia, da maresia, da brisa fresca... é tudo tão suave e tão bom...
Talvez esteja a divagar demasiado, mas a verdade é que sinto saudades de sentir. Sinto-me anestesiada pela cidade (que até é pequena). Precisava de algum espécie de meditação, descanso, sorriso puros e suaves como quem fica alegre alheadamente...
Todo este discurso... que não sei adjectivar, para apelar à sensibilidade de quem me lê e da minha própria. Nós somos Natureza, mas parece que tentamos rasgar o nosso cordão umbilical, ferindo o que eu considero a origem. Já são tão notáveis os danos que fizemos ao longo de séculos. Os ventos zangam-se, as águas agitam-se, a terra treme, as estações confundem-se... Não sentem? Contudo, nunca é tarde demais para nos preocuparmos e agirmos. Tentemos...

sábado, abril 02, 2005

Tentativa falhada

Hoje quero ser escritora
Assim na noite calada
Que não é tão calada assim

Envolvida na música de piano
Tentando alhear-me ao ritmo da casa
Tento penetrar no mundo das palavras

É como adormecer
E acordar noutra dimensão:
A dimensão palavrada

A passagem é difícil:
O adormecer demora
E o acordar pouco acontece

É preciso ser consciente
Não deixar fluir o espírito
Não sair do corpo pensante

As emoções não escrevem
Escrevem-se emoções
De mão rija e não solta

De pensamento pensado
Porque divagado é sentido
Alia-se às emoções

Quero que esse repouse
No canto ameno do sono
Envolvido na névoa sentida

Porque não quero mais aquelas
Aquelas palavras descoordenadas
Sem nexo, com emoção em demasia

Enjoei, cansei e desisti
Porque queria ser escritora
À noite quando desperta o coração

sábado, março 26, 2005

Dejà vu

Julguei-te
E perdi-me
Na imensidão do teu olhar

Calei-te
E sofri
Com o teu silêncio prolongado

Engasguei-me
Comi palavras
E esqueci outras

Rodei
Sem preocupação

Insultei
Gritei
Desmedidamente

E fugi

Em mim
De mim
Tudo era eu

Não gostei
Mas fiz
Detestei
Mas repeti

E não te ouvi
E calei-te
E ousei julgar

Acusei-te
E não aceitei
As tuas palavras
Porque eram soltas
Porque magoavam

Esqueci
Beijei
E passei

Mas repeti...

Desculpa

É repetido
É cansativo

Mas a rua
O contacto
Tudo me droga lá fora

Poetismo

Uma ideia que tive há pouco tempo levou-me à criação deste Blog. Poetismo... apenas isso, poesia e poetas; foi com esse fim que considerei criar outro Blog. Com a minha participação, de Lana, de O Empalador e de Perséfone, esperamos poder partilhar convosco, leitores de Blogs, a delícia que é a leitura da poesia que, na minha opinião, guarda consigo uma beleza própria. Espero que visitem e apreciem :)

sexta-feira, março 25, 2005

Noite de Luxúria

Hoje quero beijos!
Dói-me a garganta
Mas berro.
A água secou
E o sorriso abriu.
As portas abertas
Deixam a luz entrar.

Já me vês?
Sim!
Sim, sim, sim...

Estou aqui!
Berro, berro e berro.

De veste branca,
Transparente e suave
Me apresento a ti.

Eu sempre danço!
Vês-me? É só para ti!

Beija-me!
Agarra-me!
Leva-me!

Estou aqui!
Para ti!
Para ti!

Quero tanto,
Mas tanto
Sentir as tuas mãos.

Percorre-me...
Vá! Eu já deixo...
Sou para ti...

Só por hoje
Porque é noite de luxúria....

segunda-feira, março 21, 2005

Só de emoção

Diz que me amas!

Não é bem isso que quero ouvir
Mas diz que gostas de mim!

Diz-lo com convicção
Diz-lo para eu acreditar
Diz-lo vezes sem conta

De maneiras diferentes
Faz-me crer que tu
Tu me amas

Não é amar
É gostar

Mas diz-mo!
Queria tanto ouvi-lo...
Não! Quero!
Agora, neste instante!

E é neste instante
Em que não estás
E é neste instante
Que preciso

E preciso tanto...

Mas são das palavras
Dessas letras coladas
Que tanto preciso?

Não sei...

Quero uma palavra
Que me beije

Beija-me!

Com ardor, paixão
Esquece o amor!
Não existe....

Ama-me de paixão
E esquece o sentimento

Ama-me só de emoção
E mais não peço
E mais nem sequer quero

Ama-me de emoção
E esquece o sentimento!

segunda-feira, março 14, 2005

Ego

Sabes quantas vezes quis chorar sem razão nenhuma? Quantas vezes tu não possas imaginar. Sabes que de todas essas vezes prendi o choro? E sabes porquê? Porque me senti ridícula por não ter razão. Porque sem motivo fico perdida, sem referências... Porque sem motivo o importante desaparece. Porque o motivo me faz pensar, indagar, sentir, acreditar. Porque tudo que possas imaginar para mim tem que ter razão ou deixo-o de parte na caixa onde vês "Por definir". E sabes que o pensar me causa dores de cabeça? Por isso me vês de mãos escondidas nos cabelos a tapar a cara e de olhos direccionados para o chão. E por isso me vês, por vezes, cerrar os lábios para não dizer o que penso. Mas tu sabes que o digo, não sabes? Claro que sim. Tu recriminas-me por isso. Não sei coser a boca e digo o que penso pelas palavras que não são doces de ouvir e digo-o duma forma bruta e arrogante. E sabes porquê? É simples de explicar, chama-se orgulho. Aquele sentimento do qual o ego se alimenta tão intensamente. O ego... esse bicho roedor do nosso coração que nos tenta sempre colocar num pedestal. Atencioso ele, não? Claro que não! Destrói-nos! Rasga-nos fazendo-nos acreditar que nos preenche. Traiçoeiro, isso sim! É esse mesmo ego que não me deixa chorar sem razão. Que me impede de deixar escorrer as mágoas do meu coração. É esse mesmo ego que se apresenta a ti e a todos. É ele que recriminas. Mas é a mim também, não é? Claro que sim. Eu deixo o meu ego tomar conta de mim, duma tal maneira que tudo o que uma vez vi junto de mim se vai afastando... Lá longe vejos os reflexos. Lá longe ouço as vozes distorcidas. Mas já nada entra aqui. A crosta formou-se forte e não parece mostrar fraquezas por onde um sopro, um suspiro doce possa espreitar e rachá-la.

A criança que fui chora na estrada...

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E ao ver-me, tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa

[A lágrima quase espreitou mal li a primeira quadra. Adoro este poema! Diz-me tanto...]

domingo, março 13, 2005

Frase apropriada

"A minha vida não tem nexo
Dar-lhe um rumo é dar-lhe um fim."

Ornatos Violeta - Débil Mental

quarta-feira, março 02, 2005

Selvagismo do ser

Sou selvagem do meu mais profundo ser
A primitividade habita em mim
Sorrateira, duma estranha inteligência,
Como um pequeno engenho programado

Ao mínimo ruído mal captado desperta
Soltando ondas de calor e agitação
Percorrendo o caminho que se lhe depara
Até encontrar um meio de fuga

Escapando de uma matéria densa
Lança-se numa forte brusquidão
Como se de um sufoco apertado
Se tentasse libertar

Contorce-se e vocifera
Como se de mão atadas se encontrasse
Impossiblitada de atingir por actos
Necessitada de praguejar e gritar

Os olhos espelham cólera
E os lábios são mordidos
Por uma irritação profunda
Pela incapacidade de atingir

Mas eis que a fúria se acalma...

De imediato, toma conhecimento
Que as suas palavras foram fortes
Para atingirem e criarem danos
Em todo o seu maldito redor

Apercebe-se dos efeitos causados
E delicia-se com o caos provocado
Ri silenciosa e maliciosamente
E goza, agora, baixinho...

Satisfez os seus caprichos
Mesquinhos e maldosos
Fica completamente saciada
E não oferece resistência

Deixa-se engolir pela carne
De encontro ao seu antro
Pronta para hibernar levemente
Atenta a outra faísca atraente

“Deixo-te a ti as questões,
oh corpo inútil!”
Resmunga ela
Enquanto mergulha...

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

No dia um

Está demasiado calmo para escrever,
Escrever da forma que o tenho feito:
Com todos aqueles lamentos,
Todas aquelas lágrimas engolidas,
Aquelas feridas abertas e aquela dor...

As palavras soam-me tão estranhas
Tão distantes, sem sentido...
Os meus dedos tentam alcançá-las
Porém, o esforço perde-se no ar
E os dedos acabam por desistir.

Não sei escrever palavras bonitas
Como aquelas que se gostam de ler
Ou aquelas que obrigam a repensar

Essas palavras não as encontro
Para paz interior e finais felizes,
Apenas para desespero da falta
Dessas emoções a atingir...

Ouço as gargalhadas dos que conversam,
O galope desenfreado da cadela...

01 de Janeiro de 2005

[Encontrava-me, nesta altura, numa aldeia ecológica. O ar era tão puro, o verde tão bonito, as montanhas inspiradoras e uma calma pairava em mim. O yoga, a dança e a meditação eram práticas correntes o que conferia uma paz (ainda que momentânea) de espiríto. Passei lá apenas uma noite e uma tarde, mas adorei a experiência. Foi, com certeza, a melhor passagem de ano que já tive oportunidade de experienciar.]

domingo, fevereiro 27, 2005

The Chains of Our Mind

It seems what makes us happy
Is what we wanted to have
It seems our present happiness
Has its place in the past

It seems we don’t seek the future
But we regret what it’s gone
And we don’t live the present
Trapped with all these thoughts

We go round and round…
Staying always in the same place
We don’t seem to find a way
To get free from these chains

16th January 2005

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Afastamento

Já não sabes disfarçar que a minha presença te incomoda, que a minha imagem fere os teus olhos. Já não sabes disfarçar... Eu vejo na tua cara o desgosto quando me aproximo, as tuas expressões e os teus olhares confirmam os receios que sempre tive. Os receios que nunca me abandonaram porque me sentia insegura face ao que se passava. Foi tudo tão rápido e tão intenso que nunca julguei que durasse por muito tempo. Tudo o que nos era comum parecia ilusão; todos os olhares amáveis que substituiam as palavras, todos os sons desencadeados que formavam conversas... Nesse espaço de tempo senti-me intimimamente ligada a ti, julguei ter encontrado alguém com quem um simples gesto bastava, alguém com os mesmos gostos e ideias, com as mesmas paixões e com necessidades semelhantes... Mas o tempo passou... e os meus receios realizaram-se, os meus receios realizaram-se! Naquela alegria, tantas vezes eufórica, senti-me bem, compreendida e arrisco-me a dizer amada, mas o mundo fora desse circuito continuava e tu e eu viviamos nele, mas nele eu não quis continuar... sentia-me receosa de continuar num mundo com o qual nunca me identifiquei tanto como contigo. Mas tu tinhas uma vida nesse mundo e, muitas vezes, tentei seguir-te, caminhar contigo, integrar-me, mas sempre me senti uma intrusa, uma desconhecida... Era o teu mundo não o meu, um mundo há muito construido por ti e no qual nunca tinha existido. Era tão difícil sentir-me parte dele. Até que cometi um erro. Quando me tentei ligar a outra pessoa, quando julguei que o tempo nos ajuda a gostar, mas afinal... Esse tempo causou problemas e, penso que foi nessa altura que tudo se quebrou. Quando senti vergonha de falar com um olhar, quando já pouco me contavas, quando te senti a afastar. Foi apenas nessa altura que me senti cansada de variar o meu humor pelos teus, foi aí que senti que tu para mim agias de outra forma. Senti-me triste... os meus receios apoderavam-se, agora, de mim com uma força extraordinária. As minhas emoções para contigo começaram a variar a um ritmo muito acelerado e, então, calei-me e afastei-me. Esperei, sinceramente, que sentisses a minha falta e viesses ter comigo e esse foi outro dos meus erros. Não tinha o direito de esperar tal coisa. Mas eu quis apenas uma prova... E, assim de repente, tudo o que se tinha passado entre nós pareceu-me um sonho muito longínquo. A nossa ligação quebrou-se como um vidro... rachou, aos poucos foram caindo pedaços, com o tempo foram calcados e agora já não são se vêem... estão enterrados no chão. Tento passar por cima e esquecer porque sei que nada jamais será igual... a mágoa profunda não deixa. Mas é tão difícil fazer de conta que nada se passou! É difícil tentar esquecer a única pessoa com quem mais me identifiquei. Por isso, espero tanto poder sair daqui e ir para um sítio longe onde as recordações não me visitem, onde tudo seja novo e onde possa começar, uma vez mais, do zero. É errado... mas o passado jamais tornará a ser presente e o futuro que se aproxima não traz a estrutura desse período que tanto amei. E deambulo, agora, por aqui e por ali esperando...

sábado, fevereiro 19, 2005

Por cobardia

Por vezes, quero tanto voar...! Levantar os pés, erguer o corpo e lançar-me à escuridão da noite, esperando ser agarrada pelos seus braços, esperando ser abraçada pelo bafo envolvente do seu ar. Quero sentir-me envolvida naquela névoa suave; quero ser aconchegada pelo poder do seu sopro. Quero sentir o frio gélido, que passeia no ar, gelar-me o nariz, moldar-me a cara e entrar, sorrateiramente, no meu corpo e quero ver o vapor sair da minha boca e desvanecer-se no céu escuro.
Quero sentir-me a voar de encontro às estrelas; de encontro aos chamados anjos. Quero ter o que parece ser uma utopia: a paz de espírito que fará com que possa dormir descansada. Sim... quero poder fechar os olhos sem receios, estender os braços e suspirar... Quero poder expôr-me ao mistério da noite sem medos. Quero ser assim, segura de mim, livre do mundo provocador e sentir-me em consonância com o mundo puro. Quero ter os olhos bem abertos para poder ver com sentimento o escuro que me rodeia; para poder ver a claridade, o brilho, a magia do negro cerrado.
Quero olhar o céu em noites de lua-cheia e uivar... rasgar a pele e arrancar os ossos com cuidado e expôr os meus pulmões ao mundo.
Por vezes, quero tanto gritar... Abrir a boca e soltar a voz até ficar rouca e sem força. Quero cantar e lançar o meu som aos cantos do mundo.
E por vezes, quero tanto rasgar-me...! Despir as roupas, arranhar a pele, sangrar, correr e escorregar... Quero partir os dedos dos pés, virar os dedos das mãos, abrir a boca até cortar os lábios, estender os tendões do pescoço até não poder mais... Quero tanto soltar-me...! Não existir aqui, neste corpo imundo que me causa nojo e desgosto; este corpo que parece não ajudar e só me desgasta, que me impede e me anestesia. Quero ser uma só e mais ninguém.
Tantas vezes quis entrar dentro de mim e procurar, percorrer, encontrar... mas em cada tentativa uma nova porta me barrava o caminho, uma nova janela se fechava e me deixava às escuras num mundo tão desconhecido. Então, por vezes, ousei desistir... Ousei deixar as portas fechadas e o interior abafado. Ousei desistir porque não conseguia ver a luz... Quis a facilidade e não tive forças para continuar. Não quis percorrer o escuro com receio e acabei por barrar a entrada em mim. Tive medo; medo do que não via, do que não sabia e voltei para trás, tentando esquecer que um dia tentei, para que não vivesse com a memória dum falhanço. Não queria admitir o maior erro. Quis escondê-lo por detrás do sorriso e dos gestos amistosos, tentei ignorar a escuridão pensando que aquela porta não seria necessária aberta e enclausurei, então, o meu ser naquele mundo frio e dum negro pesado que me turva a mente. Desisti, porque a cobardia, uma vez mais, se revelou em mim. Sou cobarde e o peso da preguiça faz-me rastejar nestes chãos sujos que vomito... Ah! Como pude pensar que seria fácil? Como pude fechar-me por dentro e pensar que seria a melhor maneira? Que seria a melhor maneira, deixar-me às escuras e ir viver para um mundo de falsas luzes e enganos constantes... Como pude ser tão enganada por mim? Eu sei e talvez sempre soubesse que o meu ser definhava dentro das portas que construi em mim. Eu sei e sempre soube que teria que lidar com a sua tristeza, mais cedo ou mais tarde. Contudo, também sei que lido com ele todos os dias... De cada vez que solto um som mais forte, de cada vez que escrevo uma palavra, que crio poemas e relatos de mim... de cada vez que amuo quando o orgulho se sobrepõe. Sem me aperceber, deixo fugir um pouco do meu ser de dentro de mim a cada instante, a cada risada, a cada olhar, por mais que o tente desviar... Sei que sou sem querer e também sei que o que sou é, muitas vezes, as palavras rudes, o fugir de um gesto afectuoso, o refugiar-me na distância. Sei que, talvez, possa ser presente pela minha ausência ou pela minha euforia estranha. Sou uma antítese aos olhos do mundo e aos meus olhos. Em suma, mostro o meu ser a todos a todo o momento... todavia, a subtileza desse mostrar pode-se desvanecer na brisa do dia. Por isso, anseio as noites. Anseio o escuro porque sei que é dele que fujo, porque sei que é ele que tenho de enfrentar. Tento formar a coragem à medida que sinto o momento chegar... mas, por todas as vezes, vou dormir mais cedo deixando a batalha para outra noite. Vou descansar o corpo, esperando amassar a memória de outra noite de derrota por ausência. Tento esconder-me no sono e perder-me nos sonhos de um mundo alheio e tão meu. Por isso, custa o acordar... Não! Não quero levantar-me e esperar por outro momento de luta que sei que nunca conseguirei vencer.

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Hurt

I hurt myself today
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything

What have I become?
My sweetest friend
Everyone I know
Goes away in the end
You could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

I wear my crown of shit
On my liar's chair
Full of broken thoughts
I cannot repair
Beneath the stain of time
The feeling disappears
You are someone else
I am still right here

What have I become?
My sweetest friend
Everyone I know
Goes away in the end
You could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt
If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way

Nine Inch Nails

Resolvi fazer post desta música porque a adoro. Tem uma letra fenomenal, muito tocante e sentida, bem como a melodia que é bastante calma e nos embala nos sons e nas palavras.
Aproveito também para dedicar este post à pessoa que me deu a conhecer a música que, por sua vez, também gosta muito dela. Na minha opinião, e ainda não confrontei a pessoa com esta, a letra da música tem muito a ver com o seu ser; a ideia contida é muito semelhante aos seus pensamentos e certos versos são semelhantes a frases que outrora disse numa das nossas conversas alargadas.
Apercebi-me desse facto há pouco enquanto me deixava levar pela música e achei necessário mostrar-to, duma forma personalizada, devo dizer :)

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Assim

Tenho saudades de escrever como já não me lembrava, mas sinto que as minhas mãos estão magoadas, frágeis e sem forças. A minha cabeça pesa-me e não consigo pensar com clareza. Os sentimentos formam nós que me apertam o coração. O meu coração que é frio e duro como uma rocha, aquele a quem nunca ninguém tem acesso e, portanto, do qual nada sabem. O meu coração é assim... pequeno, gélido e só... Pequeno porque o aperto com as amarras da repugnância do emocional; gélido porque não permito em tempo algum que um raio de luz ou uma onda de calor nele penetre; só porque os outros não fazem nem nunca farão parte dele. É assim, sobrevivente da minha malícia, esquartejado pelas minhas próprias mãos, sufocado pelo aperto de não querer sentir... Eu sou o meu coração. Aquela que não se dá nem deixa que lhe deêm. A que sorri com vontade na presença dos outros, mas chora sozinha no seu canto. Aquela que tem vergonha das suas lágrimas e engole-as com o desgosto num sufoco. A que fica com o sabor amargo na boca das palavras mal ditas, a quem dói os ouvidos por não saber escutar, a que se revolta por não saber compreender. Esta sou eu. A distante, a ausente, a rapariga dos sorrisos frios, das mãos gélidas e dos olhos grandes e baços... Os olhos que já não são janelas para o interior, mas vidros embaciados por entre os quais nada é visível. Sou a rapariga da euforia da rua e da tristeza do quarto fechado. O que sinto está enterrado em mim e nas minhas palavras. Os meus textos são o ponto de luz na escuridão da minha própria incompreensão. São a minha libertação do sufoco das lágrimas secas e dos sorrisos apagados... São o guindaste amável que afasta o peso da minha cabeça. São as mãos delicadas de um ninguém que me massaja os ombros e a face. São a brisa morna de Verão que me oferece uma calma momentânea. Os meus textos são a fonte de serenidade que resta em mim. Deixo nas palavras rudes e desencadeadas o sentimento recalcado do meu coração. Transfiro o meu sofrimento para os textos para sentir o meu próprio alívio. Deixo a vós, palavras, a linha que cose o meu coração, o fogo que queima as minhas mãos, as lágrimas ácidas que corroem os meus olhos, a amargura que me resseque os pulmões e a secura que me empasta a boca. Deixo-vos os meus gritos para que me dêm o silêncio e deixo-vos o meu ser agitado para que eu possa dormir sem pressaltos.

Deixem-me...


Raquel (olhares.com)

Deixem-me porque eu quero o silêncio que nunca existe... Deixem-me porque eu quero o que não me podem dar... Deixem-me porque eu sou uma antítese e causo danos em meu redor... Deixem-me porque sou rude, revoltada e sem mão nos meus actos... Deixem-me porque não quero ser responsável... Deixem-me porque me sinto morta, presa ao chão e lá quero ficar... Deixem-me porque eu sei que assim não vos perturbo mais...

07 de Dezembro de 2004

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Mergulhar

*

Sustenho a respiração
E mergulho...

Cansei-me do calor.

Quero algo fresco...
Preciso despertar!

Estendo os braços
E puxo-os para trás
Com toda a força que tenho.

Bato os pés energicamente
Para sentir os ossos estalar.

Preciso esticar o corpo.

Fecho os olhos
E deixo-me deslizar...
Sinto a agua fria
Moldar a minha cara.

Ah...! Arrefeço...

Encolho-me...
E deixo-me rolar
Ao sabor da àgua.

Sinto um turbilhão de sensações
Percorrer todo o meu corpo.
Mil imagens correm na minha mente.

Ah...! Sinto-me viva.

A frescura trespassa o corpo
E toca-me o espírito.

Agora posso sorrir...
* fotografia por Ricardo B. Gomes (olhares.com)

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Despreendimento

Hoje vou tentar escrever algo feliz
Algo com um sabor doce e uma cor alegre
Deixo para trás, por hoje, o preto e branco
Deixo para trás lamúrios, choros e gritos

Esboço um sorriso para que seja mais fácil
Respiro fundo para sentir o que me rodeia
Fecho os olhos e inclino a cabeça para trás
Tento relaxar deste stress diário fatigante

Agora estou pronta para começar a escrita
Mas não sei o que sinto nem o que penso
Que posso eu escrever com esta indefinição?
Tento recordar... esforço-me por relembrar!

Um cheiro morno passa por meu nariz
Um sol quente aquece a minha face branca
Sinto-me a ganhar cor e a ficar com calor
Dispo instintivamente o casaquinho que trago

Sinto a brisa que brincava com meus cabelos
E, agora, vejo o verde da relva nos meus pés
Estou descalça e ela é macia e faz cócegas
E as flores dão cor a esta tela de sensações

Decido sentar-me nesta almofada natural
Banhada por esta luz suave e, agora, morna
Fecho os olhos, mole por todo este descanso
Passo os dedos pelas pétalas e pela relva

Sinto-me a subir...levada pela brisa morna
Deitada, com a cabeça nos braços recolhidos
Abro os olhos e vejo as nuvens de algodão
Sinto-me calma naquela imensa suavidade

Sinto-me a pairar sem o peso do corpo
Que fui obrigada a carregar quando nasci
Sinto-me, então, leve e livre de tentações
Deixo-me ir por onde me leva esta brisa

Não quero descer, não quero voltar
A terra já acho que conheço demasiado
O pó que me cega e me sufoca deixo-o lá
Lá em baixo onde a carne ficou sem mim

Agora sou só eu aqui neste ar diferente
Respiro um ar puro que nunca respirei
Não preciso beliscar-me, nem tocar-me
Sei que sou... Não é sonho...

Por isso, não receio acordar para a terra
Sei que estou desperta, mais que nunca
A anestesia do corpo deixei-a para trás
Sinto, agora, o despertar do espírito

Quero ir...

Não receio deixar tudo para trás
O mundo material em que vivi
O que me importa vem comigo
Vem em mim, faz parte de mim

Agora vou...

quinta-feira, janeiro 20, 2005

Chiu...


Lina Maria (olhares.com)

Quero só deitar-me na cama ou no chão e ficar... no meu silêncio, sem ouvir a respiração de mais ninguém a não ser a minha... a minha respiração lenta e pausada. Quero sentir-me e ouvir-me... Quero estudar-me e compreender-me. Quero ficar aqui... no escuro, no silêncio da minha alma inquieta, na minha paz... Não sei ao certo o que procuro, mas sei que o faço. Talvez queira encontrar a ternura do meu ser... Mas... querer-me-ei ver... verdadeiramente? Não sei... mas, para já, sei que quero silêncio, escuro e apenas eu.

terça-feira, janeiro 18, 2005

Incapacity

I try to express my thoughts
But I usually fail
I mix the words
And I find no trail

Then I try not to think
And just try to feel
To write the words
That can make me heal

But in this path
Foggy and uncertain
I find my wounds
Open, breathing pain

And so I just quit
Tired of this confusion
I leave my bruises
To a better surgeon

2nd January 2005

P.S. Prefiro o português para me exprimir, no entanto, decidi fazer post deste poema porque foi o primeiro que fiz em inglês.

terça-feira, janeiro 11, 2005

MA

"Don't drag me down
Just because you're down
And just cause you're blue
Don't make me too(...)"

Massive Attack - Better Things

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Caminho

Há em mim um sufoco
Um desespero calado
Um caminho oco
Enfim, apagado...

Um destino sem traço
Com pés descalços
Um caminho sem passo
Por tantos precalços

Um medo envolvente
Tão medonho, tão frio
Tão temido, tão presente
Tão gélido como é o rio

E, assim me envolve
Num fechar cerrado
Que, por vezes, volve
O que não devia ser encontrado

25 de Novembro de 2004

Este poema ainda é do tempo em que escrevia poesia, por vezes, exageradamente. Não sei porque ficou guardado. Já não me lembro da altura em que o escrevi, mas sei que continua a aplicar-se a este presente. Não sei que mais dele dizer... saiu-me assim e assim ficou. Enfim... as palavras foram ditas.

És aborrecida!

Estou demasiado cansada para escrever algo decente. Mas houve um certo alguém que me despertou para tal e eu fiquei em bicos de pés. Conhecem a sensação? Aquela em que não conseguem pensar em muito mais a não ser em equilibrarem-se; não estão com os pés bem assentes no chão para raciocinarem nem com eles completamente no ar, a flutuarem, para deixar fluir as emoções. Pois bem, estou nesse impasse, a tentar decifrar se quero escrever ou não. Bem... com papel e caneta à minha frente a vontade aparece sempre; a questão é se eu serei capaz de fazer uso desses instrumentos que tanto valor têm para mim. Ah... e mais uma vez esta questão importuna-me. Tantas e tantas vezes já lhe dei o papel principal nos meus textos, mas não há maneira de se cansar dessa posição; sempre que penso em escrever, lá vem ela (contente da vida) para me pedir , ou exigir, um pouco mais de fama.
- Não te cansas que eu diga sempre o mesmo , ainda que por variadas palavras, acerca da tua pessoa?
É aborrecido, devo confessar. por vezes, ocorrem-me tantos (e diversos) temas e quando os tento escrever, lá vem ela intrometer-se. Parece que é apenas ela o infortúnio da minha vida, a questão de fundo dos meus problemas.
- Ah! como tu consegues aborrecer-me (até) quando me encontro em dias de sossego e sorrisos de aguarelas. Podias descansar um pouco (de preferência quando eu fosse escrever). Fazia-te a cama se necessário, desde que me deixasses na minha paz. E por tanto me importunares perco-me no raciocínio. Sei que ia escrever sobre um assunto que me anda a assolar, mas tu agora tiraste-me a vontade. Arre! Que o vento te leve.

terça-feira, janeiro 04, 2005

"Nota ao acaso"

"O poeta superior diz o que efectivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que julga que deve sentir.
Nada disto tem que ver com a sinceridade. Em primeiro lugar, ninguém sabe o que verdadeiramente sente: é possível sentirmos alívio com a morte de alguém querido, e julgar que estamos sentindo pena, porque é isso que se deve sentir nessas ocasiões. A maioria da gente sente convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana; o que não sente é com qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa no poeta. Tanto assim é que não creio que haja, em toda a já longa história de Poesia, mais que uns quatro ou cinco poetas, que dissessem o que verdadeiramente, e não só efectivamente, sentiam.

(...)

Quando um poeta inferior sente, sente sempre por caderno de encargos. Pode ser sincero na emoção: que importa, se o não é na poesia? Há poetas que atiram com o que sentem para o verso; nunca verificaram que o não sentiram. Chora Camões a perda da alma sua gentil; e afinal quem chora é Petrarca. Se Camões tivesse tido a emoção sinceramente sua, teria encontrado uma forma nova, palavras novas - tudo menos o soneto e o verso de dez sílabas. Mas não: usou o soneto em decassilábicos como usaria luto na vida.
O meu mestre Caeiro foi o único poeta inteiramente sincero do mundo."

Álvaro de Campos (1935?)

Citação

"Conheceram-me logo pelo que eu não era e eu não desmenti e perdi-me. Quando quis tirar a máscara estava colada à pele."

Álvaro de Campos