quarta-feira, dezembro 29, 2004

Em meu peito

Percorro o peito com os dedos...
Levo-os à boca e recordo
Aqueles doces momentos
Que me deixaram marcada
Neste peito que acaricio
Neste peito que palpita
Quando recordo, revivo...

Mas também é este peito que arde
É este peito que dói sem noção
Este peito que dá vontade de rasgar
De abrir, expôr, libertar...

É este peito que arde
Quando as palavras não fartam
Quando as imagens cansam
Quando tudo fica preso
Quando tudo explode e não se vê

É neste peito...
Que o invisível ocorre
Que o inexplicável surge

É este peito...
Que a dor abraça.

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Agonia poética

Eu sinto-a bem perto de mim.
Desenha-me sorrisos nos lábios.
Deixa um brilho em meus olhos.
Eu sinto-a...
Mas não a sei...

Como assim?

Sinto os nós a formarem-se
"Como assim?" pergunto
Saber... O que há para saber?

Ai! Os pensamentos que vêm
E logo partem
E me deixam de rastos
Junto com as emoções
Que não sei
Mas que sinto...

Ai! Porquê escrever assim?
Porquê desta forma
E não daquela que ocupa as linhas?

Só vejo o branco...

Gemo em silêncio
As mãos anseiam por se contorcerem
A cabeça por se lançar para trás
Os olhos por fecharem
Os dentes por rangerem
Tão fortemente, com vontade de partir

Ai! Esta agonia que me parte
Não me mata
Porque morte de poeta não dói
O que dói é o que o agonia
As dores de pensamento
A paragem que a mão decide fazer
As dores dos ossos e dos músculos
Os lábios que anseiam ser trincados

Ai! Morte de poeta só existe
Naquelas letras que se formam
Para aliviar a dor
Para sujeitar o poeta ao papel
À tinta, à mão, aos olhares

As letras matam o poeta
Porque são arma perfeita
Contra a imperfeição da mão
A mão que dói quando escreve
A mão que não escreve
Porque não sabe
A mão que não se liga ao coração
E só obedece à mente
Ao raciocínio que mata o poeta

O poeta morre pelas mesmas mãos
Que julga poder usufruir
Para aliviar o seu sofrimento

O poeta morre...
Sem querer
Por não saber
E por sentir.

domingo, dezembro 26, 2004

Impedimento

Sinto o nó percorrer o peito e alojar-se na garganta com vontade de criar raízes. Sinto a mão parar para pensar e esperar para escrever.
É tão triste este cenário... Os olhos e a boca descaem e as sobrancelhas franzem. Sinto um novo nó. Desta vez, no estômago. Não sei se grito ou se choro. Sinto-me tão frustrada, irritada, desapontada comigo mesma. Parece que fui decapitada e de mãos cortadas para ser castigada por um crime anónimo e desconhecido. Quero lhes bater. Sim! As minhas mãos anseiam por apertar um pescoço e com as unhas rasgar a pele, arranhar, cortar, desfazer... A amabilidade do meu olhar evapora-se como uma gota de água num deserto abraçado pelo calor infernal. Os meus dedos abrem e fecham esperando encontrar algo para esmagar. Sinto uma vontade incontrolável de morder. Os meus lábios começam a sangrar de tanto os roer e consigo ouvir o roçar dos dentes com vontade de rachar. A fúria eleva o meu corpo, agita-o. Sinto como se me amarrassem os braços com tanta força que até os meus ossos gemem; sinto-me a ser agitada por mãos frias, fortes que amarram, arranham, prendem; sinto as unhas fincarem a carne dos meus fracos braços... Caio abandonada, gelada e moribunda. Sinto, agora, o cheiro da dor, do sangue que escorre nas minhas vestes e acaricia a minha pele. Levo as mãos ensanguentadas aos lábios e saboreio o sabor metálico daquele líquido vermelho que teima em sair do meu corpo. Dói-me o peito e os braços já nem os sinto. Mas o peito começa-me a arder... Dói, dói, dói! Sinto-me a queimar por dentro... As lágrimas caem, agora, como forma de fuga daquele fogo interior. O meu corpo atraiçoa-me... de tal maneira, que desejo separar-me dele; desejo afastar-me e ser livre. Libertar-me daquela jaula que se mata e me impede; de transbordar emoções, de proferir sons, de escrever palavras. Aquela jaula que me impede de me exprimir, que me apresenta obstáculos que me levam à loucura, ao masoquismo; porque sim! São minhas as mãos gélidas que me agitam e me rasgam, vem de mim o sofrimento de que tanto me lamento, vem de mim a estupidez de não saber escrever o que mais quero... Sim! Vem de mim a deficiência e não do corpo.

terça-feira, dezembro 21, 2004

Preguiça

Sento-me e olho para o lado,
Deito a cabeça e penso...

Perto do sono
E sem querer dormir...
(É só preguiça!)

Sinto-me desconfortável
E ajeito a cabeça entre as mãos.

As pálpebras descem,
Mas estou longe de adormecer.

Fico pachorrenta
Sem saber o que fazer...

Saber até sei,
Mas não tenho vontade.

Milhares de cenários passam-me pela cabeça...
E eu... sem sequer um dedo mexer.

Ah preguiça que me consomes!
Roubas-me a vontade e estendes-me assim...

Julgava eu que tinha imaginação,
Julgava eu que tinha energia
Até chegares tu e dizeres-me que não.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Alguém

Sinto que ela aprendeu a não chorar, talvez esteja anestesiada por todos os comprimidos que a cercam. Embebida em tanta dor física e mágoa emocional, como é possível que não grite? Marcada no corpo e na mente pela história que a fez, deixada com feridas abertas e lágrimas outrora secas por uma mão trémula ainda macia, vejo-a agora de boca fechada e braços cruzados, sentada no sofá com a manta nas pernas a olhar a televisão. Mas o seu olhar está perdido; perdido nas memórias que a assolam e que a prendem ao passado. Vejo o seu corpo ali, mas sinto que o seu espírito viajou. Não lhe sinto a presença e entristece-me saber que a sua chama se apagou, os seus sorrisos morreram e as gargalhadas... já nem me lembro como eram. No entanto, ela não grita, não chora... Talvez lamente os seus males em suspiros... mas são fracos e perdem-se no ar. Apenas o seu olhar a denuncia; um olhar perdido, triste, cheio de dor. Observo-a, tantas vezes, a mergulhar profundamente nas emoções que a consomem e nos pensamentos que a confundem. Sei que quando olha o mar transporta-se para aquele infinito do horizonte e vagueia, divaga, sente... Sei que gosta daquela linha inatingível porque a leva para longe; longe do mundo em que foi posta para viver, conviver e sofrer. Sei que se quer afastar da dor terrível que se apodera do seu corpo (daí os comprimidos) e dos golpes duros do pensamento que esfaqueiam a sua mente. Isola-se... em pensamentos e palavras... Isola-se... e tantas vezes não é vista.

14 de Dezembro de 2004

domingo, dezembro 12, 2004

Passagem de um livro

"Há em nós um ser escondido, desconhecido, que fala uma língua estrangeira, e com o qual, mais cedo ou mais tarde, teremos que conversar."

Fraçois Taillandier, in A Minha Melhor Amiga

Eu

Eu, eu, eu, eu...
Porque não tu ou vós
Ou até mesmo eles?
Porquê sempre eu
O tema dos meus escritos,
A razão das minhas palavras,
A água do meu choro,
O motivo do meu lamentar?

Sinto-me incapaz,
De membros mutilados,
De mente vazia
E ideias perdidas
Para escrever
O teu,
O vosso,
O deles.

Estou dentro do eu
Para poder compreender,
Decifrar, achar razões
E deixá-las no papel.
Mas não entro num tu,
Num vós, num eles
Para vasculhar e perceber
O que nem sei procurar.

quinta-feira, dezembro 09, 2004

Digo tanto

Digo tanto
Que me afogo nas palavras
E perco-me nos pensamentos

Digo tanto
Que não encontro linha de raciocínio
E tudo o que digo é fora de tempo

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Passagem de um livro

"Se não vistes nenhum de nós,
e por isso não existimos,
também não existis vós,
porque também não vos vimos."

Manuel António Pina, in A lha do Chifre de Ouro

domingo, dezembro 05, 2004

Impaciência

É a impaciência que me arrasta
Até às masmorras da incomprensão
E me anestesia os sentidos
Perante gestos e palavras da multidão

É a impaciência que me atira
Para os caminhos do delírio
E para as malhas do desespero
Que me consomem o espírito

É a impaciência que me humilha
A cada gesto mal feito
A cada palavra mal dita
Que tornam o meu exprimir sem jeito

É a impaciência que me desgasta
Por não me ensinar como agir
E por me deixar tão fraca
Sem forças para mais fingir

sexta-feira, dezembro 03, 2004

Deixa...

Deixa morrer o que já parecia morto. Deixa morrer o que pelo passado quer ser enterrado. Não puxes por algo que já não tem por onde puxar. Não queiras o que já não há para dar. A luz que queres voltar a ver já foi coberta pelo manto da escuridão que não consegues decifrar, que não consegues levantar. Não podes controlar tudo, sabes? Não controlas sequer uma pequena parte. Não te exaltes pelo que já nada podes fazer. Deixa estar... Não está tudo ao teu alcance. Não está tudo nas tuas mãos. Sim, vê-te como pequeno que és. O poder que julgas possuir é na verdade um véu sobre a tua impotência. Cobres-te do que não és para poderes aguentar o que não consegues. Esquece, deixa estar... O que tem que ser não pode ser mudado por mais que queiras, há coisas que têm que ser da maneira que são, e não da maneira que queres que sejam, por isso não te exaltes pelo que nunca vais conseguir, por isso, deixa morrer o que quer ser morto e enterrado.

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Dentro de mim

É nas perguntas que me perco
E é nesse perder que me adoro.
É nessa facilidade de me ausentar que me admiro
E é nesse remoer de pensamentos que suspiro.
É nesses momentos de clareza que sorrio
E é nesses sorrisos que rio.

Quando penso,
Vagueio,
Imagino,
Divago...

É nesse viajar ao interior que vejo
E é nesse ver que percebo.
É nesse murmurar que me escuto
E é nesse escutar que luto.
É nessa luta constante em que existo
E é nesse cansaço que desisto.