sábado, novembro 20, 2010

É o que me apetece

Apetece-me pintar o cabelo de vermelho. Sacar de um cigarro e fumá-lo na esplanada de um café. E apetece-me beber um café, com uma linha de fumo a dançar por cima da chávena que tem a marca dos meus lábios vermelhos gravado na beira com a gordura do meu bâton.
E apetece-me estar na esplanada de um café, num dia de chuva, mas sem chuva em mim e sem estar numa redoma. Não quero estar numa redoma. Não me apetece estar... não me apetece estar numa... não me apetece estar num... não sei, apetece-me sentir o vento entrar pela frincha do casaco onde falta o botão, pelo zona do pescoço que o cachecol não tapa, só para depois poder aconchegar-me. Apetece-me ter um livro aberto pousado na mesa, mas não me apetece lê-lo. Apetece-me ter um livro para ler, mas ignorá-lo para ver as pessoas passar.
São tão poucas as pessoas que passam. Talvez por estar a chover. Acho que está a chover. Eu não sinto as pingas, mas eu acho que está a chover. Está, está, olha a chuva a cair. Eu só sinto o vento. E o cheiro do café. Também não sinto o cheiro do cigarro, nem o sabor do cigarro. Quer dizer, eu tenho um sabor na boca, mas não é do cigarro. Ou se calhar é, mas este cigarro não sabe a cigarro. Este cigarro sabe bem. É um sabor fresco, mas não tão fresco que faça parecer a minha boca um pedaço de gelo. Quando o vento sopra, 'tás a ver? Como quando metes um rebuçado de mentol à boca e depois inspiras o ar pela boca, 'tás a ver? Não é assim. Não é esse fresco. É só fresco. Fresco bom. Mas depois há o café. E o café é quente e avolumado e macio. E não é amargo. O meu café não é amargo. Está bom assim.
Apetece-me que a cadeira onde estou sentada seja de metal. Aquele metal de que são feitos os bancos de jardim antigos. Sabes quais são? E que fazem um barulho arrepiante a arrastar. A mesa da esplanada também é assim, faz conjunto com a cadeira. Mas não é desconfortável. Eu estou muito confortável, apesar de estar vento e de eu estar sentada numa cadeira de metal. Estou muito confortável. Estou bem aqui. Estou tão bem aqui. Só porque é o sítio que eu quero. Só porque não é o sítio onde estou agora. É aquele que eu quero. Feito à minha medida. Feito à medida do que eu quero. Com as coisas que eu quero, da maneira que eu as quero. Assim, como eu quero.

Sabe bem.

É meu.

Mais ninguém conhece.

Não há mais ninguém. Só aquelas pessoas que eu quero que estejam. E são aquelas pessoas que não sabem quem eu sou. E eu também não sei quem elas são. São os estranhos que passam na rua e que sabe bem observar enquanto estamos sentados numa esplanada a beber um café, a fumar um cigarro e a fingir que lemos um livro.

2 comentários:

Ciro disse...

Só vemos o que queremos ver, sentir, cheirar, viver... *

Anónimo disse...

Olá. Que estranho deves pensar, como se cumprimenta uma pessoa que não conhecemos? De que se forma nos damos a conhecer? Como fazemos uso da capacidade de descoberta sem sermos demasiado intrusivos. Simples. Vou tentar... Chamo-me Marco, sou estudante de psicologia, e gostei do que li... e como gosto de partilhar... aqui fica o que escrevi um dia destes. Espero não te importunar, espero que gostes. é sempre um prazer ler-te. Obrigado pela leitura aprazível.

Espero que gostes, 1ª Paragem:


16:29minutos.
O cursor do software de edição do mail pisca incessantemente, ávido de palavras.
Sem rodeios. Gosto de aqui estar, gosto de conversar com as pessoas que aqui trabalham, especialmente das que convivem comigo diariamente. Observar quando se zangam e se chateiam por ter que fazer muito trabalho, ou trabalho que não lhes competia. Tanto estardalhaço e acabam por o fazer. É essa a essência de camaradagem. Se gosto da farda que uso? Se gosto dos galões que repousam nos meus ombros? Do seu dourado que reflecte as lâmpadas fluorescentes que pairam acima das nossas cabeças? Mentiria se dissesse que não gosto.
O único entrave, a espinha na garganta, a pedra no sapato é a de que é temporário.
De que os segundos, os minutos, as semanas, os dias que me faltam vão sendo riscados do calendário. O de saber que vou deixar de ser Militar, vou deixar a rigidez das formaturas, o acto quase religioso de ter que desfazer a barba todos os dias de manhã. O de pedir licença ao Superior Hierárquico. O de envergar esta farda. O de sentir orgulho em representar o meu País. Existem momentos que nunca esquecerei. Desde o primeiro dia em que coloquei os pés nesta instituição fui sempre bem tratado, foi me sempre inculcado o espírito de camaradagem, duma que nunca encontrarei cá fora.Dos dias passados ao relento na semana de campo, do nada ter a que me agarrar a não ser o sorriso dos meus camaradas quando o meu corpo se encontrava gelado. O de sentir que se caísse me ajudariam. O aprender o básico do comportamento militar. O disparar da G3, o sentir o medo dos aspirantes e instruendos no ar. O campo de tiro, O som da culatra atrás. O encostar a arma ao ombro, Apontar, suster a respiração, apontar, e disparar. Sentir o coice da arma que os nossos antepassados levavam consigo para as nossas colónias no ultramar. Saber que tudo isso termina, saber que tudo isso acaba, que terei que colocar um ponto final na minha vida militar.
É incomportável para já eu conseguir sequer conceptualizar, imaginar como será o vazio da minha vida, no momento em que passar á disponibilidade. Mas eu estou me a habituar á ideia, é que não é nada que eu já não soubesse quando entrei para o Exército. O tempo encarrega-se de me roubar as horas. Encarrega-se de as desfazer, de puxar umas vezes lentamente o novelo, outras tão velozmente que parece que o fio do tempo está a voar não a passar normalmente.
Se gosto destes minutos onde a tomada de consciência me pesa? Gosto e não gosto, creio que é inevitável porque me levará a pensar irremediavelmente em qual será o rumo da minha vida. Não gosto porque me lembra que o relógio de Areia que se encontra umas vezes visível outra invisível, me leva inexoravelmente à perda. A vida é uma sucessão de Perdas e de Vitórias.
A tropa fez-me crescer. Tornou-me diferente, e por isso quero me envolver no dia á dia da vida militar até á altura em que deixarei de o ser no papel, porque sempre serei militar.